A segunda temporada de Harlots não apenas mergulha mais fundo na Londres georgiana do século XVIII — ela escancara suas entranhas. Com uma narrativa que mistura sensualidade, brutalidade e inteligência emocional, a série britânica criada por Alison Newman e Moira Buffini retorna com ainda mais força, ampliando os conflitos entre bordéis rivais e revelando as complexas camadas de suas protagonistas. O resultado é uma obra provocadora, visualmente deslumbrante e historicamente pungente.
Harlots é inspirada no livro The Covent Garden Ladies, da historiadora Hallie Rubenhold. A obra documenta a vida de prostitutas na Londres do século XVIII, com base em um guia real de acompanhantes publicado na época — o Harris’s List of Covent Garden Ladies. Embora os personagens sejam ficcionais, os eventos, costumes e estruturas sociais retratados têm raízes profundas na realidade. A série não romantiza a prostituição: ela a expõe como uma das poucas vias de sobrevivência para mulheres em um mundo dominado por homens e hipocrisia moral.
A temporada 2 intensifica os arcos dramáticos das personagens centrais. Margaret Wells (Samantha Morton), antes uma matriarca resiliente, agora enfrenta dilemas morais e estratégicos que a colocam em rota de colisão com sua filha Charlotte (Jessica Brown Findlay). Charlotte, por sua vez, assume o protagonismo com uma postura mais combativa, desafiando tanto sua mãe quanto a cruel rival Lydia Quigley (Lesley Manville), que continua a ser uma das vilãs mais sofisticadas da televisão contemporânea.
A chegada de Lady Isabella Fitzwilliam (Liv Tyler) adiciona uma camada aristocrática ao drama. Presa em um casamento sem amor e vítima de chantagem, Isabella encontra em Charlotte uma aliada inesperada. Sua trajetória é marcada por uma transição poderosa — de mulher subjugada a estrategista silenciosa.
Lucy Wells (Eloise Smyth), a filha mais nova, também ganha profundidade. Sua ingenuidade dá lugar a uma consciência amarga sobre o mundo que a cerca, revelando o impacto psicológico da prostituição e da manipulação familiar.
Visualmente, Harlots é um banquete. Os figurinos são meticulosamente desenhados para refletir status, desejo e decadência. Saias volumosas, corsets apertados e tecidos luxuosos contrastam com os becos sujos e os interiores decadentes dos bordéis. A paleta de cores é rica em tons de vinho, dourado e azul petróleo, evocando sensualidade e opressão simultaneamente.
As locações — filmadas em Londres e Hertfordshire — recriam com fidelidade a atmosfera da cidade georgiana, com ruas lamacentas, salões ornamentados e bordéis que oscilam entre o vulgar e o sofisticado. A cinematografia de Simon Archer e Hubert Taczanowski utiliza luz natural e sombras dramáticas para acentuar o clima de tensão constante. Não há efeitos especiais grandiosos, mas há uma direção de arte que transforma cada cena em um quadro barroco.
Harlots dialoga com outras produções ambientadas no século XVIII, como Poldark, Liberdade, Liberdade e Catarina, a Grande. Todas exploram o papel da mulher em sociedades patriarcais, mas Harlots se destaca por colocar prostitutas como protagonistas — não como vítimas ou coadjuvantes, mas como agentes de mudança.
Enquanto Poldark foca na aristocracia rural e Catarina na realeza, Harlots mergulha no submundo urbano, revelando que o poder feminino pode emergir mesmo nos espaços mais marginalizados. A série também compartilha o tom provocador de The Handmaid’s Tale, embora com uma abordagem mais histórica e menos distópica.
Essas séries revelam que, mesmo em tempos de opressão, as mulheres encontraram formas de resistir, negociar e transformar seus destinos — seja com inteligência política, sensualidade estratégica ou pura rebeldia.
Harlots não é apenas uma série sobre prostitutas. É uma ode à sobrevivência feminina em um mundo que insiste em silenciá-las. A segunda temporada eleva o jogo, mostrando que o corpo pode ser arma, escudo e moeda — mas nunca prisão. Com atuações arrebatadoras, estética impecável e uma narrativa que desafia convenções, Harlots transforma o bordel em campo de batalha e as cortesãs em generais.
Se você ainda não se rendeu à série, cuidado: ela não pede licença. Ela invade, seduz e deixa marcas. Porque onde há desejo, há revolução — e Harlots é sua bandeira mais ousada.