A terceira temporada de A Idade Dourada mergulha ainda mais fundo nas tensões entre tradição e modernidade, amor e conveniência, riqueza e reputação. Ambientada na primavera de 1883, em uma Nova York em ebulição, a série da HBO criada por Julian Fellowes — o mesmo criador de Downton Abbey — continua a explorar os bastidores da elite americana com uma sofisticação visual e narrativa que rivaliza com os bailes de Bridgerton e os salões de Highclere Castle.
Mas A Idade Dourada não é apenas uma vitrine de vestidos de seda e jantares à luz de velas. É um retrato afiado de como os Estados Unidos construíram suas dinastias — não por sangue azul, mas por aço, ferrovias e especulação imobiliária. E nesta terceira temporada, vemos o ápice dessa transformação: casamentos arranjados como fusões empresariais, mulheres negociadas como ativos sociais, e famílias que trocam afeto por influência.
A Era Dourada americana (aproximadamente entre 1870 e 1900) foi marcada por um crescimento econômico vertiginoso, impulsionado pela industrialização, expansão ferroviária e especulação urbana. Famílias como os Vanderbilt, Astor, Carnegie e Rockefeller acumularam fortunas incalculáveis em um curto espaço de tempo — muitas vezes por meio de práticas monopolistas e exploração da mão de obra imigrante.
Esses “novos ricos” buscavam algo que o dinheiro não podia comprar diretamente: legitimidade social. Para isso, investiam em mansões palacianas, patrocínios culturais e, sobretudo, em casamentos estratégicos. As filhas dessas famílias eram apresentadas como “princesas do dólar” — jovens herdeiras americanas que cruzavam o Atlântico para se casar com nobres europeus falidos, trocando milhões em dotes por títulos aristocráticos.
Essa prática, retratada com maestria em Downton Abbey através da personagem Cora Levinson (uma americana que salva a fortuna dos Crawley com seu dote), é central também na terceira temporada de A Idade Dourada, especialmente na trama de Gladys Russell.
Na terceira temporada, Bertha Russell — a matriarca ambiciosa interpretada por Carrie Coon — concretiza seu plano de casar a filha Gladys com o Duque de Buckingham. O casamento, longe de ser um conto de fadas, é uma transação cuidadosamente arquitetada. Bertha negocia não apenas o dote, mas também investimentos cruzados e influência política. George Russell, o patriarca, é mantido no escuro sobre os termos do acordo, o que gera uma crise conjugal que se intensifica ao longo dos episódios.
Gladys, por sua vez, vive o dilema clássico das “princesas do dólar”: entre o dever familiar e o desejo pessoal. Ela tenta fugir com Billy Carlton, seu verdadeiro amor, mas é impedida pela mãe, que manipula os bastidores para garantir o rompimento. A cena em que Gladys quebra seu colar de pérolas durante o anúncio oficial do noivado é simbólica — um gesto silencioso de resistência em meio à opulência.
Essa dinâmica ecoa os conflitos de Bridgerton, onde o amor frequentemente colide com as expectativas sociais. No entanto, enquanto Bridgerton romantiza os dilemas da alta sociedade com cores vibrantes e trilhas pop, A Idade Dourada os apresenta com uma sobriedade quase cruel, revelando o custo emocional das alianças comerciais.
Bertha Russell é, sem dúvida, a força motriz da temporada. Sua ascensão social é construída com precisão cirúrgica: ela domina o cenário cultural, manipula os círculos políticos e redefine o papel da mulher na elite americana.
Ao contrário de Lady Violet Crawley em Downton Abbey, que representa a tradição britânica, Bertha é a encarnação do novo poder — pragmática, implacável e visionária.
Ada Forte, irmã de Agnes Van Rhijn, também ganha destaque ao herdar uma fortuna inesperada e desafiar a autoridade da irmã. Ela se envolve com o movimento pela temperança, organizando reuniões em casa e enfrentando o conservadorismo de Agnes. Essa subtrama mostra como as mulheres da época começavam a ocupar espaços públicos, mesmo em meio às restrições sociais.
Peggy Scott, jornalista e ativista negra, vive um arco de resistência silenciosa. Seu romance com o Dr. William Kirkland é atravessado por preconceitos raciais e sociais, e sua decisão de viajar sozinha para entrevistar uma sufragista é um ato de autonomia que reverbera além da narrativa pessoal.
Enquanto Downton Abbey retrata a decadência da aristocracia britânica no início do século XX, A Idade Dourada mostra o nascimento de uma nova aristocracia americana — construída não por linhagem, mas por capital. Ambas as séries compartilham o olhar de Julian Fellowes, e isso se reflete na atenção aos detalhes históricos, nos diálogos afiados e na complexidade dos personagens femininos.
Já Bridgerton, embora ambientada na Inglaterra do início do século XIX, oferece uma abordagem mais estilizada e inclusiva, com foco em romance e diversidade. A Idade Dourada é mais contida, mais realista, e por isso mais próxima de Downton Abbey em tom e estrutura. No entanto, a terceira temporada flerta com o universo de Bridgerton ao explorar bailes, escândalos e segredos — mas sempre com um pé na realidade histórica.
Curiosamente, a temporada abre espaço para uma possível conexão com Downton Abbey: Gladys Russell, agora Duquesa de Buckingham, muda-se para Sidmouth Castle, na Inglaterra. Essa mudança geográfica e social abre caminho para um crossover futuro, já que Cora Levinson, mãe de Lady Mary Crawley, também era uma americana casada com um nobre britânico — e viveu exatamente nessa época.
George Russell, interpretado por Morgan Spector, enfrenta uma temporada de perdas e desafios. Seu investimento em terras no Arizona ameaça ruir, e sua autoridade dentro da família é minada pelas decisões de Bertha. Ele demite seu secretário de confiança, Richard, e começa a questionar o legado que está construindo.
A tensão entre George e Bertha é o coração emocional da temporada. Eles discutem sobre influência, dinheiro e o futuro dos filhos. Quando Gladys escreve pedindo ajuda após ser humilhada por Lady Sarah, George confronta Bertha e ameaça não estar mais esperando por ela quando voltar da Inglaterra. A rachadura no império dos Russell é profunda — e pessoal.
Marian Brook, sobrinha de Agnes, aceita o pedido de casamento de Larry Russell, mas logo descobre que ele mentiu sobre sua ida ao clube Haymarket. A presença de Maude Beaton, uma vigarista conhecida, complica ainda mais a situação. A relação entre Marian e Larry é testada pela falta de transparência — e pela sombra de Oscar Van Rhijn, que continua a buscar um casamento por conveniência.
Esses triângulos amorosos, embora menos escandalosos que os de Bridgerton, são carregados de tensão e nuance. Eles mostram como o amor verdadeiro era frequentemente sufocado pelas exigências sociais e financeiras da época.
A terceira temporada de A Idade Dourada é, talvez, a mais madura da série até agora. Ela abandona parte do glamour superficial das temporadas anteriores para mergulhar nas contradições da elite americana. Casamentos são tratados como fusões empresariais, mulheres como peças de xadrez, e sentimentos como obstáculos à ascensão social.
Ao mesmo tempo, a série oferece momentos de beleza, resistência e esperança. Gladys, Peggy, Marian e Ada representam diferentes formas de enfrentamento — seja contra o patriarcado, o racismo ou a hipocrisia da sociedade. E Bertha, com toda sua ambição, mostra que o poder feminino pode ser tão estratégico quanto qualquer império industrial.
Se Bridgerton é um romance de época com brilho pop, e Downton Abbey é uma elegia à aristocracia britânica, A Idade Dourada é um tratado sobre o nascimento da América moderna — onde o dinheiro compra tudo, menos a paz.
Assista ao trailer da 3ª temporada da série A idade dourada (The Gilded Age):