Em um mundo saturado de super-heróis e vilões caricatos, Anônimo 2 surge como um soco seco na mandíbula da previsibilidade. Dirigido por Timo Tjahjanto e roteirizado por Derek Kolstad (criador da franquia John Wick), o filme é a continuação direta do cultuado Anônimo (2021), e traz de volta Hutch Mansell — o pai de família aparentemente comum que, na verdade, é uma máquina de matar aposentada. Agora, quatro anos depois, Hutch retorna ao campo de batalha, não por glória, mas por redenção. E o que se desenrola é uma jornada brutal, íntima e surpreendentemente poética.
Não. Anônimo 2 não é baseado em fatos reais, mas sua força reside justamente na ilusão de realidade. O protagonista Hutch Mansell, interpretado com precisão cirúrgica por Bob Odenkirk, é uma figura que poderia muito bem existir: um homem comum com um passado sombrio, tentando equilibrar a banalidade da vida doméstica com os fantasmas de sua antiga profissão. O roteirista Derek Kolstad se inspirou em arquétipos reais — ex-agentes, veteranos, homens invisíveis à sociedade — para construir um personagem que, embora fictício, pulsa com autenticidade.
Hutch é o epicentro emocional do filme. Se no primeiro longa ele era um vulcão prestes a explodir, em Anônimo 2 ele é lava fria: letal, mas controlada. O relacionamento com sua esposa Becca (Connie Nielsen) está em frangalhos, e os filhos mal o reconhecem. A violência, paradoxalmente, torna-se sua forma de comunicação. Cada soco, cada tiro, cada perseguição é uma tentativa desesperada de se reconectar com o mundo — e consigo mesmo.
O vilão da vez, um chefão do crime desequilibrado que cruza o caminho de Hutch durante uma viagem em família, é menos um antagonista e mais um espelho distorcido. Ele representa o que Hutch poderia ter se tornado se tivesse abraçado o caos em vez de lutar contra ele. Essa dualidade dá ao filme uma profundidade rara em thrillers de ação.
Visualmente, Anônimo 2 é um espetáculo. A fotografia alterna entre tons quentes e frios para refletir o estado emocional de Hutch — do calor sufocante da cidade turística onde a trama começa ao azul gélido das cenas de confronto. As locações são meticulosamente escolhidas: desde becos claustrofóbicos até mansões decadentes, cada espaço parece respirar junto com os personagens.
Os figurinos seguem a lógica da narrativa: Hutch veste roupas simples, quase invisíveis, enquanto os antagonistas ostentam trajes extravagantes, como se estivessem em um desfile de egos. Os efeitos especiais são usados com parcimônia, mas quando aparecem, são brutais e realistas. Nada de explosões hollywoodianas — aqui, cada impacto é sentido na carne.
Hutch Mansell é herdeiro de uma linhagem cinematográfica que valoriza o homem comum com habilidades extraordinárias. Abaixo, uma linha do tempo com filmes que moldaram esse arquétipo:
Essa genealogia mostra como o cinema tem fascínio por figuras que transitam entre o ordinário e o extraordinário — e Hutch é a mais recente, e talvez a mais humana, encarnação desse mito.
Anônimo 2 não é apenas um filme de ação. É uma meditação sobre identidade, redenção e os limites da masculinidade. Hutch não quer ser visto como herói, mas também não aceita ser apagado. Sua jornada é a de muitos homens que, ao envelhecerem, se tornam invisíveis para a sociedade, para a família, para si mesmos. E quando a invisibilidade se torna insuportável, a violência aparece como último recurso — não para destruir, mas para lembrar que ele ainda existe.
O filme nos obriga a perguntar: quantos Hutchs existem ao nosso redor? Quantos homens estão lutando batalhas silenciosas, esperando apenas um empurrão para explodir? E, mais importante, será que estamos ouvindo seus gritos silenciosos?
Se você achava que já tinha visto tudo em termos de ação, Anônimo 2 prova que ainda há espaço para o inesperado — e que o silêncio pode ser mais explosivo do que qualquer granada.
Assista ao trailer do filme Anônimo 2